Para receitar primeiro é necessário diagnosticar

 

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RECEITA SEM DIAGNÓSTICO

 

Alguém resolve consultar um oftalmologista. É introduzido no consultório, senta-se à frente do médico que pergunta:

-- Qual é seu problema?

-- Ah doutor, estou com dificuldade para ler e gosto tanto disso.

Surpreso vê o médico retirar os óculos  que usava   e diz:

-- Use estes óculos ele é excelente para ler fique com eles, tenho outros.

Quem procuraria médicos como esse? Provavelmente ninguém.

 Deixou de examinar, dispensou os aparelhos e procedimentos necessários. Sem diagnóstico receitou e também forneceu os óculos que entendeu adequados.

 

RECEITAR ATITUDES, COMPORTAMENTOS E AÇÕES

 

Bem, o que tem a ver essa estória com as questões associadas aos relacionamentos e convivência entre as pessoas?

Tem a ver por causa do hábito de receitar, ou seja, aconselhar com indicação de atitudes, comportamentos e ações  sem procurar  entender o que é que está acontecendo com as pessoas.

É comum alguém relatar uma dificuldade que enfrenta e logo é interrompido pelo outro que diz: isso já aconteceu comigo; então você faça isto, faça aquilo ou não faça nada.

Em outras situações o relato prossegue, sem contudo merecer a atenção e qualquer interesse da outra parte.

A capacidade de ouvir para compreender as pessoas é condição fundamental para nossos relacionamentos.

É bom esclarecer que compreender  não é aceitar e nem reprovar a posição do outro, trata-se de perceber com fidelidade quais são as suas necessidades, sua busca ou o que possa estar incomodando.

 Na comparação com o médico, o que se espera é que haja uma verificação cuidadosa para depois recomendar algo.

Nos relacionamentos adotamos procedimento de julgar e classificar como certo ou errado aquilo que as pessoas fazem ou dizem, através de julgamentos apressados capazes de atropelar sentimentos e a necessidade das pessoas concluírem a exposição de seus motivos.

Julgamentos desastrados e equivocados podem ser agravados com perguntas desrespeitosas e invasivas. Perguntas que o outro não está preparado para responder ou que impõe constrangimentos.

Diante de constrangimentos desaparece qualquer possibilidade de uma ligação empática que significa interesse e habilidade de compreender a outra pessoa.

 

HABILIDADE DE OUVIR

 

Quando procuramos e temos o propósito de realmente entender as pessoas, é necessário que tenhamos a capacidade nem sempre valorizada e reconhecida como uma habilidade que é a de ouvir.

Comunicar envolve os seguintes recursos: ler, escrever, falar e ouvir. As habilidades de  ler e escrever são adquiridas nas escolas. Falar é capacidade adquirida no convívio familiar e social e também se aprimora com o desenvolvimento das habilidades de escrever e ler.

As escolas não ensinam ouvir e tampouco essa habilidade é reconhecida como de fundamental importância nos relacionamentos.

Com a deficiência na capacidade de ouvir, são adotados procedimentos e atitudes responsáveis por afastamentos no lugar de favorecer vínculos harmoniosos  de convivência.

 

NOSSA VISÃO DE MUNDO NÃO É SUFICIENTE PARA COMPREENDER OS OUTROS

 

Os julgamentos e as receitas que oferecemos quase sempre têm por base a nossa experiência, a maneira como vemos a vida. Não é possível compreendermos os outros a partir de nossa visão.

É necessário considerar a visão do outro que significa identificar com muita clareza quais são os sentimentos, as emoções, as necessidades, os objetivos e os sonhos das pessoas.

É como se fôssemos o outro e a partir de sua visão de mundo, de sua percepção procurar entendê-lo.

 Portanto, uma comparação entre aquilo que a pessoa fala ou faz e a nossa visão de mundo não vai possibilitar compreendermos a outra pessoa.

 

A EXPERIÊNCIA DO CVV-CENTRO DE VALORIZAÇÃO DA VIDA

 

Algo bastante significativo acontece nos atendimentos realizados pelo CVV-Centro da Valorização da Vida,  entidade de grande utilidade que atende  pessoas que ligam muitas vezes com propósitos extremos como atentar contra a sua própria vida.

Há uma orientação básica para aqueles que atendem ao telefone ou pessoalmente: apenas ouvir e não oferecer conselhos e críticas.

 Permitir que o interlocutor extravase seus sentimentos, suas emoções, seus motivos e necessidades. Empaticamente, o voluntário do CVV procura registrar essas coisas todas. Com essa postura ganha confiança e permite ao atendido revelar o seu mundo.

 

DIAGNÓSTICO NOS RELACIONAMENTOS SIGNIFICA COMPREENDER O OUTRO

 

Para receitar é necessário primeiro diagnosticar. Diagnóstico nos relacionamentos significa compreender o outro. Quando o filho, filha, cônjuge, irmão e nosso amigo procuram-nos muitas vezes para nos falar sobre coisas que estejam criando dificuldades em suas vidas, devemos proceder como fazem os amigos do CVV que ouvem as pessoas com muito interesse e empatia.

Quando permitimos que as pessoas se expressem e não fazemos perguntas invasivas que possam constranger as pessoas a revelarem coisas que não queiram, simplesmente criamos um ambiente favorável para fortalecer nossos vínculos.

A velha expressão que nós conhecemos é para oferecer um ombro amigo.

Quando empaticamente consideramos a percepção do mundo e as necessidades dos outros e houver interesse por parte deles, poderemos apresentar nossa avaliação e sugestões. Entretanto, será mais eficaz as próprias pessoas encontrarem respostas para suas dúvidas e necessidades.

Algo bastante interessante acontece nesses atendimentos que a CVV faz. Ao final do atendimento é comum as pessoas agradecerem pelas orientações e pelos conselhos e nada disso aconteceu, pois a orientação é para não fazer isso. Mas por que a pessoa chegou a essa conclusão?

Porque ao colocar as suas questões, ao perceber abrigada e considerada em seus sentimentos aos poucos consegue perceber caminhos e soluções.

Aquele que ouve não reprova ou aceita e nem emite qualquer tipo de julgamento ou faz perguntas constrangedoras: apenas ouve, mas de maneira empática. E ouvir de maneira empática não é apenas registrar os sons com os ouvidos, é compreender de tal forma que se fosse o caso poderia relatar posteriormente com fidelidade o que a pessoa estava pretendendo.

 

PRIMEIRO COMPREENDER PARA DEPOIS SER COMPREENDIDO

 

Nos conflitos e divergências é importante a capacidade de ouvir com o propósito de compreender o outro. Grande parte se não a totalidade dos obstáculos desaparecem.

Primeiro compreender para depois ser compreendido é a orientação básica mesmo que a outra parte não se coloque nessa posição. Quando uma das partes percebe a importância de compreender poderá ao ganhar a confiança do outro  trazê-lo para essa mesma posição. Mesmo quando isso não ocorre aumentam bastante as possibilidades de entendimento ou no mínimo concorrem para não agravar ainda mais o desajuste.

Convém abandonarmos o velho hábito de primeiro querer convencer o outro de nossa posição. Os inconvenientes surgem da contundência e agressividade como são apresentadas as solicitações  e exigências. Formam-se verdadeiros diálogos de surdos onde ouvir não é importante e tampouco a exposição detalhada e lógica das demandas é merecedora de atenção.

 

AMAR O PRÓXIMO REQUER COMPREENDER AS PESSOAS

 

 Quando consideramos os ensinamentos que nos chegam através do Evangelho de Jesus, o que se destaca é a recomendação para amarmos o próximo. Como é que podemos amar o próximo sem reconhecer seus sentimentos e necessidades, mesmo que não os aprovemos?  A empatia permite que haja ligação positiva com o próximo que é o primeiro passo na direção ao amor.

Se no diálogo estivermos numa posição de julgamento ou de contestação, quebramos a possibilidade de estabelecer uma ponte energética com nossas vibrações positivas que acabam por ser amorosas.

 Compreender o outro é passo importante para podermos emitir de nós energias amigas capazes de despertar confiança naqueles que nos ouvem e possam também encontrar em nós ouvintes cuidadosos.

Quando o diálogo é harmonioso não há porque deixarmos de ouvir recomendações, mas elas só serão adequadas e justas quando soubermos  diagnosticar e  deixar de empurrar os óculos que servem apenas para nós.

 

 

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