Saia da ilusão da dependência emocional
rev DEPENDÊNCIA – INDEPENDÊNCIA – INTERINDEPENDÊNCIA
A vida segue por uma trajetória que solicita que a dependência seja vencida para dar lugar às criaturas independentes. Para o sucesso dos relacionamentos, entretanto, há necessidade de se alcançar a interindependência, situação na qual as pessoas convivem sem que haja algum tipo de dependência. Nessa convivência superior há benefícios mútuos sem que haja qualquer tipo de dependência entre as pessoas. A dependência pode ser de natureza material quando se refira aos recursos necessários para preservar a vida, mas também pode ser emocional e afetiva. O principal aspecto da capacidade emocional e afetiva é aquele reconhecido nas pessoas que se sentem capazes e merecedoras, ou seja, portadoras de adequada autoestima. Dessas dependências, aquela que representa o maior desafio é a realização da independência emocional. Os seres humanos em sua fase infantil necessitam de cuidados dos adultos, especialmente dos pais. No processo de crescimento aprendem a se cuidar e aos poucos alcançam a autossuficiência. A autossuficiência normalmente percebida como natural em relação ao suprimento de recursos materiais não é reconhecida no atendimento das carências emocionais e afetivas. Chega-se a buscar a outra metade, a alma gêmea que possa completar o ser humano, assim, decreta-se a existência de vínculos permanentes de dependência emocional. O livro “A Essência do Encontro”, da psicóloga Lurdes Possato, oferece considerações importantes sobre a dependência emocional. Diz ela que se ouvem constantemente referências do tipo:
· O relacionamento me mantém vivo, se ele ou ela me deixar eu morro. · Sem este emprego jamais sobreviverei. · Não conseguirei viver em outro lugar.
Em nossa cultura há estímulos para que a dependência seja mantida. A independência é dificultada diante de interesses de muitos que buscam exercer o controle e domínio sobre as pessoas com quem convivem. Essa situação responde por constrangimentos para que as pessoas possam prosperar materialmente e mais ainda em sua autonomia emocional e afetiva. No âmbito da família deve haver interesse permanente para que haja espaço para o crescimento de seus membros na direção de conquistarem a independência. Isto vale para os cônjuges e para os filhos. As crianças devem ser gradativamente educadas para a conquista da autossuficiência material e emocional. Uma grande conquista da família ocorre quando é alcançada a condição de interindependência.
VENCENDO DEFICIÊNCIAS FÍSICAS
Pessoas com sérias deficiências físicas, que poderiam ser consideradas impossibilitadas de suprir suas necessidades materiais, podem vencer e conquistar a independência. São muitos os exemplos encontrados na sociedade. O trabalho cada vez mais voltado para capacidades intelectuais favorece essa conquista. Depende cada vez menos do vigor e força física. Mesmo em situações graves são encontradas criaturas capazes de proverem seu sustento, condição que acaba por favorecer também as condições emocionais e afetivas. O que é mais significativo ainda é que criaturas nessas condições reúnem possibilidades de ajudar os outros, sem deficiências físicas, a alcançarem a independência.
TODOS TÊM O DIREITO DE SER O QUE SÃO
Todos têm o direito de ser o que são, expressar o que sentem e fazer o que os satisfazem e os completam. É muito frequente a imposição para que o outro seja considerado mais importante. Sacrificar-se pelo outro pode resultar na autoanulação e prejuízo para a autoestima. Viver em função dos outros e não de si próprio, visão equivocada que desconsidera os ensinamentos de Jesus. Ensina o Mestre que para amar o próximo é necessário aprender a amar a si próprio. Sacrificar-se é abrir mão daquilo que é essencial em favor dos outros, frustração diante da impossibilidade de concretizar algo ou resultar de situações de constrangimentos em que as pessoas são obrigadas de alguma forma a fazer o que não querem. Para que alguém faça algo que seja adequado em favor do próximo precisa estar em condições adequadas e precisa aprender a amar a si mesmo. Num processo de anulação, que implique em abrir mão de recursos importantes para a manutenção da própria condição física, e de desvalorização das condições emocionais, dificilmente serão reunidas condições para participações construtivas na vida. Aquilo que as pessoas têm capacidade e desejo de fazer reúne condições para surgimento de outro sentimento no lugar do sacrifício ou martírio. Há uma sensação de realização, alegria por uma participação consequente na vida.
DEPENDÊNCIA EMOCIONAL, OBSTÁCULO PARA OS RELACIONAMENTOS
A dependência, especialmente a de natureza emocional, é obstáculo sério na construção de relacionamentos harmoniosos e gratificantes. Quando uma pessoa se coloca ou é colocada numa relação de dependência e julga não ter suas carências atendidas vai considerar o relacionamento insatisfatório. Como consequência, identifica-se como vítima e dispara um processo de cobrança. Cobra porque vê no outro a fonte de suprimento de suas carências. O obstáculo permanece até o momento em que houver entendimento que ninguém consegue suprir as carências emocionais do outro. As condições emocionais serão supridas por aquilo que as pessoas fazem e não por aquilo que recebem. Trata-se, portanto, de autossuprimento. Aqueles que agem e conseguem concretizar seus propósitos de maneira construtiva são pessoas que desenvolvem adequada autoestima. Essa valorização interior surge da capacidade de realizar e do sentimento de merecer os benefícios dos resultados daquilo que é feito. Portanto, para se bastar emocionalmente é necessário estar atento para o que fazer. Quando Jesus aponta que o caminho para alcançar a felicidade é amar o próximo, está apresentando o que deve ser feito. Amar o próximo e considerar a necessidade de amor a si próprio são, pois, as condições para o autossuprimento das necessidades emocionais. Dessa forma, a dependência emocional será superada.
PRÉ-CONDIÇÃO PARA SUPERAR A ILUSÃO
Vencer a dependência é pré-condição para superar a ilusão de que os outros podem suprir as lacunas emocionais. Livre da ilusão é possível assumir o verdadeiro papel que a vida exige que é concretizar através das ações, palavras e pensamentos aquilo que verdadeiramente beneficia e preenche emocionalmente. A dependência emocional surge da ilusão de que não é possível viver sem apoio, opinião e presença do outro ou de uma condição específica. Em função desse esquema de sobrevivência a maioria passou a viver de acordo com a expectativa do outro. Quando o outro é priorizado acaba não se dando atenção para as próprias coisas e sentimentos, colocando-se em segundo, terceiro ou até em último plano. As pessoas se abandonam para viver em função dos outros. A cura se dá quando começam a olhar suas próprias necessidades e direcionar as ações para atendê-las. A mudança ocorre sob dois aspectos: tomada de consciência e mudança de atitude. Quando alguém se apoia demais no outro e essa muleta lhe é retirada é quando acontece uma separação, morte, rompimento. Tudo isso servindo para que o indivíduo reveja suas posturas perante sua própria vida e possa crescer sem a muleta ou falso apoio externo. A questão da dependência pode ser encarada diante de dois sentimentos: o egoísmo e o amor. Há confusão entre esses dois sentimentos. O amor quando verdadeiramente está presente não cria vínculos de dependência, ao contrário, faz com que as pessoas possam estar livres para que se sintam seguras no caminhar com suas próprias pernas, procurando atingir as suas necessidades e os seus interesses. Pelo egoísmo as pessoas são retidas sem facilitar a sua própria caminhada com medo de um afastamento, cria-se até constrangimentos para que a pessoa fique dependente e com isso estaria de alguma forma atendendo necessidades do outro.
LIBERTAÇÃO PELO ROMPIMENTO DE VÍNCULOS DE DEPENDÊNCIA
Em muitas situações quando se elimina determinado vínculo, como consequência há um rompimento da dependência, há um florescimento na vida da pessoa. É muito comum encontramos situações como essa de uma pessoa que tenha trabalhado longos anos num determinado emprego, por circunstâncias diversas acaba saindo desse emprego. No primeiro momento lamenta-se porque foi rompido aquele vínculo que de alguma forma lhe trazia segurança, algum tipo de conforto, mas que ao mesmo tempo não lhe dava espaço no sentido de explorar novas possibilidades de ter um crescimento efetivo. Diante de uma crise, que no caso seria a perda do emprego, o que acontece em seguida? Muitas pessoas tomam novos caminhos, mais promissores, progridem de uma forma fantástica. O mesmo também acontece nos relacionamentos, muitas vezes o casal em que um ou ambos procuram não oferecer espaço para crescimento do outro. Há uma espécie de poda constante das iniciativas e das atitudes do outro. Chega o dia em que um se ausenta pelo rompimento dos laços do casamento ou pelo retorno de um ao plano espiritual. Sem as podas constantes ganham espaço e começam crescer emocionalmente. Num primeiro momento com certo desconforto, lamentam aquilo que esteja atribuindo como uma perda, mas logo em seguida, muitas vezes sem perceber conscientemente, começam a crescer de uma forma significativa. Estabelecem o domínio de suas próprias vidas, passam a perceber que são capazes de suprir suas necessidades não só materiais, mas também sentirem-se íntegros sob o ponto de vista emocional.
ALCANÇAR O TOPO DA ESCADA
Cada um deve subir pela escada que leva da dependência para a independência até chegar ao topo para alcançar a interindependência. Na interindependência os relacionamentos são proveitosos para todos os envolvidos. A convivência é rica sem que existam vínculos de dependência. As pessoas se unem com propósitos comuns, mas livres e independentes. Não basta, entretanto, buscar a própria independência; é necessário favorecer as outras pessoas do convívio familiar ou profissional. No convívio familiar os cônjuges precisam respeitar o espaço do outro e juntos suprirem as necessidades dos filhos quando pequenos. As crianças devem ser educadas para que assumam gradativamente a responsabilidade por suas vidas, precisam se capacitar para que, no tempo certo, possam alcançar a independência material, emocional e afetiva. No trabalho as pessoas necessitam de espaço para desenvolver suas potencialidades e ter estímulos que as levem a ser proativas e responsáveis pelos resultados que produzirem com suas ações. As equipes mais eficientes são aquelas em que prevalece a interindependência. O profissional estará mais bem posicionado quando superar suas carências e conseguir condição de autovalorização. O reconhecimento externo é desejável, porém a autoavaliação terá sempre peso superior na condução da carreira profissional.
AINDA A QUESTÃO DO SACRIFÍCIO
Considerando ainda a questão do sacrifício. Não há razão para assumir e tampouco impor sacrifícios às pessoas. A aceitação ou imposição de sacrifícios não preenche as necessidades emocionais. Em grande parte os fracassos são decorrência de sacrifícios assumidos ou impostos na realização de ações impossíveis. Muitas vezes toma-se o ensinamento de amor ao próximo como exercício do sacrifício em favor dos outros. Amar o próximo é requerimento essencial para que a felicidade seja alcançada, portanto é capaz de preencher todas as necessidades emocionais e afetivas daquele que pratica o ensinamento. Não significa a inexistência de dificuldades, porém passa a ter significado diferente. Quando a dificuldade é tida como sacrifício será fonte de sofrimento. Tomada como condição necessária para a realização de algo e com possibilidades de ser superada será fonte de alegria e felicidade.
RELACIONAMENTOS DE ALTA QUALIDADE
Por fim, é necessário ter sempre presente que relacionamentos de alta qualidade somente são possíveis entre pessoas independentes que se colocam livremente numa condição de interindependência. A dependência emocional deverá ser considerada como sério obstáculo aos relacionamentos. Todos devem buscar superar essa condição e nunca impor isso às pessoas com quem convivem.
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