Alteridade - Valorizar as diferenças

 

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A palavra alteridade aparece com frequência em artigos e nas conversas, significa algo muito importante. É a capacidade de valorizar as diferenças.

Há dificuldades para lidar com as diferenças, especialmente nos relacionamentos onde são tomadas como sinônimo de coisa errada. Correto seriam as certezas de cada pessoa, as diferenças dos outros dificilmente são encaradas de maneira favorável.  

 

EXEMPLOS QUE CAUSAM ESPANTO

 

Todas as folhas de uma árvore são diferentes, é impossível encontrar duas iguais. Ainda que a procura envolvesse todas as árvores existentes no planeta, não seriam encontradas duas folhas iguais. O exame das diferenças entre as folhas requerer o uso de instrumentos que possam ampliar os detalhes, mas por menores que estes sejam  serão identificados.

Espanto maior decorre do exame de grãos de areia. Também não é possível encontrar dois idênticos. O mesmo pode ser verificado na observação dos cristais de gelo.

As pessoas também são todas diferentes. Em seus aspectos físicos as diferenças compreendem as impressões digitais, a íris, a voz, além de outras características, detalhes que permitem reconhecer a individualidade de cada ser humano. As diferenças vão além quando considerados os comportamentos, atitudes, conhecimentos, crenças, habilidades e outros atributos. 

 

COMO CONSIDERAR AS DIFERENÇAS 

 

Como considerar as diferenças?  Elas constituem, dentro da criação, um fator de abundância, riqueza e deslumbramento. Assim consideradas, são fontes de inesgotáveis oportunidades em qualquer aspecto da vida.  A criação de Deus se manifesta magnífica, acima de uma realidade limitada por folhas de árvores, grãos de areia, cristais de gelo e de pessoas iguais.

A alteridade é o toque para que as diferenças das pessoas sejam consideradas e valorizadas com o propósito de concretizar no convívio doméstico, profissional e social a recomendação de amar o próximo. Amar o próximo como ele é com suas diferenças.

A pregação para que sejam eliminadas as “diferenças” sociais, econômicas, étnicas e políticas precisa de outro termo. As diferenças sempre existirão, fazem parte da natureza humana e das coisas. O que deve ser alcançado em termos de igualdade é assegurar  que todos tenham acesso às oportunidades. Além disso, deve ser garantida a liberdade. Liberdade e igualdade de oportunidades são as bases para que haja fraternidade. 

 

ERA INDUSTRIAL E PADRONIZAÇÃO 

 

A eliminação das diferenças pela padronização é percebida com muita força na cultura humana. A industrialização com suas linhas de montagem trouxe a sua contribuição. Ford, o criador da linha de montagem de automóveis, dizia: “Todos podem comprar o carro que desejarem, desde que seja um Ford T preto”. Era o único modelo que saia de suas fábricas. 

Isto não significa desconsiderar a importância desse método de produção. Entretanto, o conceito de padronização acabou por envolver outros aspectos da vida nos quais ele não é desejável.

A uniformização das pessoas pelas roupas que usam pode ser encarada como uma forma de repressão que visa anular as individualidades.  Até pouco tempo, a população chinesa usava o mesmo tipo de roupa, felizmente já não prevalece o cinza, as cores estão de volta.

As nossas escolas com seus currículos padronizados estão longe de valorizar as diferenças dos estudantes. A ”linha de montagem” ainda é realidade nas escolas nas escolas.   

 

COMEÇA A MUDANÇA 

 

A linha de montagem nas fábricas começa a ser substituída por procedimentos como o de “células de produção” que permitem melhor aproveitamento das habilidades individuais. Quem sabe algo semelhante possa acontecer nas escolas.

A valorização das diferenças pode ser percebida nas manifestações culturais dos povos que contribuíram para a formação da nação brasileira.  Muitos grupos folclóricos que há alguns anos passados não existiam agora aparecem na televisão e nos espetáculos que são oferecidos. O mesmo é observado em outros países.

Os hábitos das pessoas são mais diversificados quando observadas por suas roupas, preferências musicais e pelas profissões que adotam. As famílias são organizadas de várias maneiras. 

 

EVITAR O EXEMPLO DE “PROCUSTO” 

 

O grande desafio é valorizar as diferenças nos relacionamentos.

Ainda é possível observarmos procedimento próprio de uma figura mitológica conhecida pelo nome de “Procusto”. Trata-se de criatura muito estranha que tem por hábito deitar as pessoas em uma cama. O seu propósito é ajustar as pessoas ao tamanho da cama. Quando elas são menores são esticadas e, se maiores, têm as sobras cortadas.

Algo semelhante acontece nos relacionamentos. Cada um procura ajustar o outro ao seu “tamanho”, ou seja, às suas convicções, crenças e preferências. Mudar o outro é tido como uma obrigação porque as suas diferenças nada mais são que equívocos a serem eliminados. Isso, entretanto, além de todo o desgaste produzido, é impossível de ser alcançado. Não é possível mudar as pessoas contra a sua vontade e nem isso seria conveniente. As pessoas não podem ser invadidas em seu íntimo por serem portadoras de livre-arbítrio. É possível influenciar o outro, por ações e palavras, desde que haja aceitação.

Contar com a liberdade que permite ao ser humano preservar a sua integridade é algo fantástico. Cercado de múltiplos interesses e ideias conflitantes, estaria perdido se não houvesse essa proteção. Pode ser lembrada a possibilidade da coerção exercida por ameaças à integridade física das pessoas. Assim, a mudança poderia ser obtida sem o consentimento, mas não é.

Através da coerção as pessoas podem ser obrigadas a fazerem ou a não determinadas coisas. Isto é certo, porém, no íntimo das pessoas não há mudança; tão logo cesse a pressão, voltarão às condições originais. O castigo como um elemento de educação falha justamente por isso, pode alcançar um ordenamento exterior, mas de fato não contribui para a mudança interior das pessoas.

A postura de reconhecer e respeitar as diferenças representa fator positivo. Há, inclusive, vantagens quando estas são incorporadas nos relacionamentos que se desdobram nas famílias, no trabalho e no convívio social. 

 

A IMPORTÂNCIA DA SINERGIA 

 

Uma coisa a ser considerada nos relacionamentos no sentido de incorporar as vantagens de saber lidar com as diferenças é aquilo conhecido como “sinergia”. Outra palavra, aparentemente difícil, que representa uma propriedade da física muito simples. Um exemplo para ilustrar a questão: Duas vigas tomadas isoladamente capazes de suportar 50 quilos cada e quando unidas poderão suportar mais do que 100 quilos. Então, a sinergia evidencia que 1+1 não é igual a 2, pode ser 3, 4 ou mais.

Duas plantas cultivadas em duas situações diferentes permitem conhecer mais sobre a sinergia.  Numa situação o espaço entre elas não permite o entrelaçamento de suas raízes, noutra isso é possível.  

Qual das duas situações irá propiciar plantas mais vigorosas e bonitas? É aquela onde existe a possibilidade do entrelaçamento das raízes.

Em São Paulo existem ruas especializadas em determinados tipos de comércio. Na Rua da Consolação são encontradas muitas lojas que vendem artigos de iluminação.

Faz sentido abrir uma loja logo ali do lado de concorrente, não de um concorrente só, mas de um monte deles?  Faz todo sentido. Qual é a lógica disso? É muito simples, as lojas reunidas num único ponto têm o poder de atração maior do que se elas estivessem dispersas pela cidade.  

As pessoas que procuram a rua especializada representam número superior àquele que aconteceria se a opção fosse buscar as lojas esparramadas pela cidade. O maior poder de atração do centro especializado resulta da sinergia produzida pela reunião das lojas em um único local. 

 

RELACIONAMENTOS COMO UM PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO 

 

Quando os relacionamentos são considerados como um processo de negociação, a sinergia ganha especial importância como será visto agora.

Num processo de negociação podem ser identificadas várias posições.  Podem ser assumidas as seguintes:

·        Ganha/perde, eu ganho e você perde.

·        Perde/ganha, eu perco e você ganha.

·        Ganha/ganha, eu ganho e você ganha também. 

Como alcançar a posição de ganha/ganha?

Tomar as propostas de cada um e fazer um meio termo? Normalmente as pessoas dizem que para chegar a uma boa negociação, tem que haver concessões de ambas as partes. Ora, se uma parte cede um pedaço e a outra também isso é ganha/ganha? Na verdade é perde/perde, cada parte está abrindo mão de um pedaço. A situação mais vantajosa é aquela que ninguém cede coisa nenhuma.

E como se chega a isso?

É pela busca de uma alternativa melhor do que as duas originalmente apresentadas. E a forma de conseguir isso é buscar a sinergia das diferenças. Analisar com cuidado os vários aspectos e buscar uma terceira que possa somar os interesses que, num primeiro momento, possam parecer conflitantes, porém com criatividade, com boa vontade chega-se a algo superior.

Notem que nos relacionamentos é possível o mesmo tipo de postura. É muito comum as pessoas discutirem no sentido de prevalecer o seu ponto de vista, obrigando os demais a adotarem as suas posturas, atitudes e comportamentos.

O diálogo fraterno permite valorizar e considerar as diferenças e a sinergia permite resultados altamente compensadores. Diferenças representam abundância capaz de construir coisas superiores àquelas resultantes da uniformização forçada.

As diferenças representam grande beleza e a grande potencialidade encontrada na criação de Deus.   

 

ALTERIDADE - É a capacidade de valorizar as diferenças.

 

 

 

 

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